ORAÇÃO
IZABEL TELLES (outubro 2010)
Querido Deus, meu amigo, professor, mestre, companheiro desta imensa viagem que venho viajando há milhares de ano.
Por favor, meu paizinho, não me deixa esquecer-se de quem sou.
Não permita que eu me perca nas relações familiares baseadas na velha energia onde a posse, a inveja, o orgulho, as mágoas e as intrigas minam os campos do coração e espalham espinhos onde antes havia sementes de flores.
Não deixe que eu me anestesie pelas paixões da terra que vedam os olhos e transformam ogros em príncipes. Acorda meus ouvidos e grite dentro deles que a ilusão pode vir vestida em trajes de baile.
Abre meus olhos e se for preciso esfrega neles algum alvejante para que eu veja aquilo que vejo com minha intuição e não me engane mais com a perfumaria emocional. Que eu sinta o cheiro podre dos esgotos por onde andamos e que saiba encontrar o canal de fuga que leva a luz da superfície outra vez.
Corta meus pés se eles teimarem em caminhar com o bando de carneiros mansos pela surdez. Cegos pela ignorância do pequeno poder da terra e arranca do meu coração qualquer arrogância e prepotência.
Apaga da minha lousa mental os enganos que escrevi, não sabia que eles eram tão danosos
Trás de volta para a minha alma o canto dos meninos índios, a dança das sacerdotisas, a alegria dos chocalhos recheados de sementes. me faz ser inocente outra vez, me arranca deste mundo de falsas fantasias. Já aprendi que as lantejoulas são de plástico e que não brilham como as estrelas.
Meu paizinho querido, não me deixa esquecer as coisas que eu já descobri. Não me deixa repetir as cenas que já encenei e que não gostei da minha atuação. Tira-me desta produção alucinante e me devolve o mapa da floresta onde eu possa encontrar rios limpos, onde eu não tropece em embalagens amassadas de sabão em pó, em pacotes vazios de bolacha, onde eu possa colher da árvore uma fruta que não tenha sido envenenada por pesticidas.
Meu Deus, não me deixe esquecer quem sou. Desperta meu espírito, dê voz a ele e me ajude a encontrar um pedaço de terra onde eu possa simplesmente descansar em silêncio.
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